Bancas com arbitragem podem recolher ISS por regime fixo
Escritórios de advocacia de São Paulo têm conseguido autorização para recolher o Imposto sobre Serviços (ISS) como sociedade uniprofissional. Há ao menos três decisões nesse sentido: uma delas na esfera administrativa, no Conselho Municipal de Tributos (CTM), e duas no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP).
As bancas haviam sido desenquadradas do regime especial de tributação pela prefeitura por ter no quadro societário profissionais que atuam na arbitragem – uma via alternativa ao Judiciário para a resolução de conflitos.
As sociedades uniprofissionais são comuns entre colegas de uma mesma profissão. Têm direito ao recolhimento de ISS diferenciado e os valores são geralmente mais baixos do que os cobrados das empresas comuns. A regra está prevista no Decreto Lei nº 406, de 1968. Elas pagam uma quantia fixa para cada sócio, enquanto as demais empresas têm de repassar um percentual sobre o faturamento.
Em São Paulo, por exemplo, um escritório de advocacia recolhe entre R$ 300 e R$ 400 por sócio a cada trimestre. Se for desenquadrado do regime especial terá de pagar ao município, todos os meses, 5% sobre o seu faturamento.
“Isso está mexendo com o mercado. Se prevalecer o entendimento da prefeitura, escritórios menores podem até quebrar”, diz Ruy Dourado, presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-SP e sócio do escritório Dourado & Cambraia. “E há impacto também aos grandes. Existem escritórios que, por causa das autuações, estão proibindo advogados dos seus quadros de atuarem na arbitragem”, acrescenta.
A prefeitura, desde o começo de 2018, vem entendendo que a arbitragem não é privativa à área e, ao oferecer esse serviço, a banca deixa de ter como atividade exclusiva a advocacia – critério exigido das sociedades uniprofissionais. Por esse motivo que ocorre o desenquadramento do regime especial.
O presidente da Comissão chama a atenção que essa análise é feita pela Secretaria da Fazenda a partir das informações dos sites das bancas. “Não há fiscalização in loco”, afirma. “Se verificar, no site, que há atuação na arbitragem, ela desenquadra e passa a cobrar o ISS sobre o faturamento global da sociedade. Não é nem sobre as notas relacionadas ao serviço.”
Foi o que aconteceu com o escritório do advogado Marcelo Escobar. A banca foi desenquadrada do regime especial em abril. Em julho conseguiu liminar proferida pela desembargadora Mônica Serrano, da 14ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, para permanecer como sociedade uniprofissional e ter o direito de recolher o ISS por sócio e não sobre o faturamento.
Essa foi a primeira decisão favorável nesse sentido aos escritórios da qual se tem notícia. A liminar foi confirmada, na última semana, por decisão colegiada. Três desembargadores da 14ª Câmara de Direito Público julgaram o caso de forma unânime (processo nº 2154733-26.2019.8.26.0000).
“Não é ainda uma decisão definitiva, mas se ao julgar o mérito o juiz da primeira instância entender diferente, recorreremos e o caso será julgado pela mesma câmara que agora se posicionou de forma favorável”, diz Escobar.
O advogado entende a atuação do Fisco como equivocada e afirma que a atividade da arbitragem consta nas regras do Conselho Federal da OAB. O pleno decidiu, em 2013, que a arbitragem é uma “modalidade legítima” e que “faz parte da natureza da advocacia”.
A outra liminar concedida pelo TJ-SP também foi proferida pela 14ª Câmara de Direito Público. A decisão, monocrática, é do desembargador Octavio Machado de Barros. “Esta Corte já se pronunciou no sentido de possibilitar o reenquadramento da sociedade enquanto se discute a legitimidade de sua exclusão do regime de recolhimento diferenciado”, diz na decisão (processo nº 2241128-21.2019.8.26.0000).
Já o Conselho Municipal de Tributos, a última instância administrativa de São Paulo, ao julgar um caso semelhante no mês de julho, entendeu que “o exercício da atividade de arbitragem não caracteriza o exercício de atividade diversa da advocacia”. A decisão, unânime, foi proferida pela 2ª Câmara Julgadora (processo nº 6017.2019/0004586-8).
O presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-SP, Ruy Dourado, diz que a entidade vem tentado dialogar com a Secretaria da Fazenda. “Não há base jurídica para a prefeitura fazer o que está fazendo”, afirma. “Mas sabemos que os escritórios continuam sendo autuados. Semana passada, por exemplo, mais um me procurou para dizer que foi desenquadrado.”
De acordo com ele, a OAB-SP estuda a possibilidade de ingressar como autora de uma ação para que o tema seja discutido de forma global. Não deu detalhes, no entanto, de como isso será feito. “Ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Conselho da Ordem”, diz.
A Secretaria de Fazenda de São Paulo tem posicionamento restrito em relação ao tema e não deve ceder à pressão dos advogados. Por meio de nota, informa que “a figura da sociedade uniprofissional é caracterizada por um único tipo de serviço”, conforme consta “no artigo 15 da Lei Municipal nº 13.701, de 2003, e o artigo 9º, parágrafo 3º, do Decreto federal nº 406, de 1968”.
“Caso o contribuinte preste mais de um serviço, não poderá fazer jus ao referido regime especial de tributação, e, na hipótese de estar enquadrado, deverá solicitar seu desenquadramento ou será desenquadrado de ofício pela administração tributária”, diz a nota.
A Secretaria afirma não comentar ações em andamento. Porém, acrescenta no texto que as decisões citadas na reportagem “referem-se a casos pontuais, produzindo efeitos apenas inter partes e sem vincular a administração pública de modo geral”.
As sociedades uniprofissionais foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento, com repercussão geral, em abril (RE 940769). Na ocasião, os ministros decidiram que os municípios não têm competência para fixar critérios para o enquadramento. Isso só poderia ser feito por lei nacional.
O caso envolveu a seccional gaúcha da OAB, mas não tratou sobre a atuação na arbitragem. O processo foi uma reação dos advogados de Porto Alegre ao Decreto Municipal nº 15.416, de 2006, que impedia os profissionais de recolherem o ISS pelo regime fixo. Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirma que há uma “proliferação de interpretações” pelo país sobre as sociedades uniprofissionais.
FONTE: Valor Econômico
Data: 20/11/2019