Importado até US$ 50 paga 76,8% menos imposto que similar do regime geral

Reestabelecer a alíquota de 60% em tributos federais sobre importações do Programa Remessa Conforme (PRC) seria fundamental para promover isonomia tributária entre as operações dos marketplaces estrangeiros (B2C) e as do regime geral de importação (B2B). Para tributaristas, essa revisão mitigaria possíveis danos à competitividade da indústria e do varejo nacionais e seus empregos. 

A diferença de carga tributária entre importados pelo e-commerce no regime geral e os importados até US$ 50 pelo Remessa Conforme pode chegar a 76,8%, ampliando a desigualdade competitiva entre as plataformas e quem comercializa produtos por aqui. 

Toda essa análise faz parte do estudo "A falta de isonomia entre o 'Remessa Conforme' e as demais operações de importação", apresentado pelo especialista em tecnologia e competitividade André Kalup Vasconcelos, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em reunião do Conselho Consultivo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) da última terça-feira (07).

"É uma prática comum entre países com certo limite de isenção usar a tecnologia e novos instrumentos que ligam fornecedores e logística para 'disfarçar' operações entre pessoas físicas (portanto, isentas) introduzindo uma pessoa jurídica no meio", explicou. "Por isso, o Remessa Conforme foi estabelecido: para trazer empresas do comércio eletrônico para a idoneidade aduaneira."

Porém, os problemas continuaram, ligados não só a fatores sistêmicos e à competitividade da indústria paulista, mas também em relação ao comércio internacional.

Para demonstrar os impactos negativos no mercado nacional com a isenção de impostos nas compras de importados até US$ 50, o estudo da Fiesp, realizado a pedido da indústria calçadista, simulou algumas situações comparativas. Nelas, os produtos seriam ofertados para o consumidor final via marketplaces, assumindo margem de comercialização de 16%. 

Antes da instituição do Remessa, em agosto de 2023, todas as importações de pessoas jurídicas para pessoas físicas até US$ 3 mil sofriam incidência de 60% de Imposto de Importação (I.I.), mais ICMS com alíquota do Estado de destino. Agora, as operações até US$ 50 são isentas e tributadas com apenas 17% de ICMS. 

Ao comparar as operações (em uma base 100), uma das simulações mostra que a diferença de tributação embutida nos preços do Remessa Conforme, e o preço dos importados pelo regime geral de importação (que inclui Imposto de Importação, PIS/Cofins, ICMS e mais a margem do e-commerce) chega a 76,8%.   

A comparação foi feita até com a Guerra Fiscal do ICMS, acirrada a partir da década de 1990, que afetou fortemente a indústria paulista com a fuga de empresas para outros Estados. Nesse caso, segundo o estudo da Fiesp, o diferencial de carga foi de nove pontos percentuais (12% e 3%, em média). Mesmo muito menor que no Remessa Conforme, custou 45 mil vagas de trabalhadores e a perda de R$ 1,4 bilhão em geração de renda. Ou seja, a atual situação pode se complicar. 

Além dessa diferença de preço do Remessa, que afeta os players nacionais, existem também as cobranças em termos de regulação, como Anvisa, Inmetro, Aneel e outros, mostrou o estudo.

Também não são aplicados direitos antidumping (medida unilateral de um país que cobra imposto extra sobre importados para manter a competitividade do mercado local). 

Mas é simples apontar como nasceu a falta de isonomia com a isenção até US$ 50, segundo Vasconcelos: o governo só revogou instrumentos para retirar os 60%, em uma decisão "mais política que técnica", e até agora poucas empresas aderiram (Shein, Shopee e Ali Express).

"É uma diferença muito superior (de preço e tributação) em relação ao comércio nacional, e o potencial dano à economia é elevado, ainda não há muitas empresas cadastradas."

Mesmo admitindo que a alíquota do I.I. é bastante alta, Vasconcelos destacou que, caso volte a ser aplicada, tirando a margem relativa ao e-commerce (que varia de acordo com a empresa), a carga entre as operações se equalizaria. Por isso a volta da alíquota de 60% pode promover maior isonomia e linearidade entre plataformas estrangeiras e o vendedor que atua no país. 

"Existem outras formas de se controlar práticas ilegais, mas a isenção do tributo não é a maneira ideal de trazer controle para esse tipo de operação", alertou.  

Também citadas no estudo da Fiesp, a União Europeia e a própria China têm seus mecanismos para proteger o mercado interno e anular a concorrência desleal. 

Além de uma reforma nas regras aduaneiras, a Comissão Europeia propôs a simplificação de procedimentos e um conjunto menor de alíquotas de imposto de importação incidente sobre essas operações (0% e 17%). Já a China tem limite anual de compra internacional por CPF. 

Para o economista da ACSP Marcel Solimeo, a UE e a OCDE foram mais práticas e revogaram a isenção - o que deveria ser feito aqui. Já a China arbitra preços de acordo com interesses internos. "Por isso é preciso recolher o imposto antes do ingresso da mercadoria."

OUTRO SINAL DE ALERTA 

O estudo da Fiesp trouxe outras informações alarmantes sobre as operações do Remessa Conforme, com base em dados de controles aduaneiros especiais da Receita Federal, do Observatório do Comércio Eletrônico do MDIC, e da Tabela de Recursos e Usos do IBGE.

Esses dados podem colocar mais uma pulga atrás da orelha da indústria e do varejo brasileiros, pois representariam, no médio prazo, um impacto ainda maior no mercado nacional devido a seu crescimento acelerado em tão pouco tempo.

Pelo levantamento, realizado entre dezembro de 2023 e março de 2024, as operações pelo Remessa Conforme só cresceram: em números de DIR (Declaração de Importação de Remessas), a alta foi de 15% (de 25,6 milhões para 29,4 milhões). Com isso, o valor aduaneiro das compras internacionais pelo programa ficou em R$ 4,13 bilhões, uma média de R$ 1,03 bilhão por mês.

Já o valor comercial, sem impostos, dos bens adquiridos no e-commerce nacional (não inclui compras de bens de consumo final com características similares), foi de R$ 3,88 bilhões. 

As operações do Remessa Conforme totalizaram 26,6% das compras nacionais no comércio eletrônico. Falando apenas de moda, esses produtos representam mais de 60% do Remessa - o que tem preocupado a indústria e o comércio, de acordo com André Vasconcelos. 

Por isso, destacou o estudo, é urgente a necessidade de reestabelecer a isonomia entre o Remessa e as operações do mercado interno, seja pela reativação da alíquota de 60% (nas compras até US$ 50), ou pela isenção de tributos federais sobre produtos nacionais de mesmo valor. 

Mesmo no oitavo mês de vigência, só oito plataformas (Magalu, Amazon, Mercado Livre, as chinesas já citadas, mais Sinerlog Store e e-bazar) foram certificadas no PRC, lembrou.

Mas hoje há 46 solicitações de certificação no programa em andamento e, assim que liberadas, quanto maior o número de plataformas e diversidade de produtos, maior o impacto no comércio doméstico. 

"São produtos já internacionalizados e alfandegados, para entregar no dia seguinte ou no máximo dois dias depois. E assim sua participação vai aumentando cada vez mais." 

PRESSÃO CONJUNTA

A permissão de entrada prévia desses produtos em armazéns, identificados com a bandeira brasileira nas etiquetas por estarem nacionalizados (e por isso são entregues rapidamente: por já estarem no país), foi destacada pelo presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine. 

"Tudo isso é evidência do que não pode acontecer em um mercado democrático: é irregular, é concorrência desleal, é predatório mesmo, e mata os players do mercado interno."  

O "descaminho oficializado pelo Remessa Conforme" também foi apontado pelo vice-presidente da Fiesp Paulo Schoueri. "Se é entregue em menos de 24 horas, não dá para achar que isso foi produzido, separado e embalado para chegar aqui, pois já está aqui."  

Com isso, não sofrem só pequenos empresários, mas os grandes e os médios, reforçou o presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) Jorge Gonçalves Filho. "E nem indústria, varejo e até os informais têm conseguido vencer a concorrência predatória."

Por esse motivo, a Fiesp e os sindicatos da indústria, que já se reuniram com o governo federal e o ministro da Fazenda Fernando Haddad para tratar do assunto, convidaram a ACSP para assinar o manifesto que a entidade prepara para fortalecer a reivindicação.

Além do estudo, o documento, que reunirá notas oficiais da federação e dará publicidade aos posicionamentos dos sindicatos patronais, será entregue ao Congresso e ao Judiciário.

"Precisamos unir os setores e atender o pedido do Haddad de 'me ajudem a fazer pressão' para defender essa isonomia. Ou então não vai sobrar ninguém", alertou Schoueri. 

Fonte: Diário do Comércio

Data: 13/05/2024