ICMS sobre os combustíveis: análises em torno da LC 194/22

Há quase um mês, no dia 23 de junho, foi sancionada a LC 194/22[1], que trouxe importantes alterações no que diz respeito à cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O presidente da República vetou, naquele momento, dispositivos que previam a compensação financeira para os estados, que poderiam sofrer perdas de arrecadação com a limitação das alíquotas do tributo.

No último dia 14, contudo, após acordo de líderes com o governo, o Congresso Nacional rejeitou 6 dos 15 dispositivos vetados (Veto 36/2022[2]) pelo chefe do Poder Executivo relativos ao PLP 18/2022[3], que dispunham sobre a fixação da alíquota do ICMS em patamares mínimos (17% ou 18%). São, portanto, pontos importantes que serão restabelecidos na lei.

Outros três itens objeto de veto (6, 14 e 15) foram destacados e tiveram a votação adiada. Eles determinam o uso do repasse para manter as aplicações mínimas em saúde e educação, conforme prevê a Constituição Federal (CF). Permanecem vetados os itens 8 a 13, os quais poderão trancar a pauta do Congresso Nacional a partir de 6 de agosto.

O governo federal vem agindo para tentar amenizar a inflação deste ano. Com isso, zerou os impostos federais Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o diesel, mas – devido à grande variação do preço do dólar e do petróleo – essa redução foi praticamente insignificante no bolso do consumidor final. Isso fez com que o Poder Executivo cobrasse, também, uma ação mais efetiva dos estados, no sentido de que reduzissem seus impostos, já que o ICMS sobre os combustíveis tem impacto muito maior no preço final.

Após ter sido sancionada, todos os estados já reduziram as alíquotas do tributo para se adequarem à lei. A rigor, Goiás e São Paulo se anteciparam e diminuíram as cobranças por conta própria. Ocorre que nem todos os estados estão de acordo acerca da constitucionalidade da LC 194/22, alegando ofensa à autonomia para estipular a fixação das alíquotas tributárias. Segundo eles, estaria havendo uma grande intervenção da União nas esferas estatais. Afirmam, ainda, que o governo federal age de modo impensado para resolver o problema da inflação. Diante disso, entraram com uma ação perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) foi assinada pelos governadores de Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe, não tendo assinado nenhum representante do Sudeste e do Norte do país. Há pelos menos outros três processos no STF envolvendo a cobrança de ICMS sobre combustíveis.

Mas, afinal, o que é o ICMS e por que ele impacta tanto nas arrecadações dos estados?

O cenário tributário brasileiro é muito complexo, pois a estrutura organizacional do país – à luz da CF de 1988 – foi realizada em três níveis: municipal, estadual e federal, se tornando assim, muito peculiar em termos de federação. A partir desse modelo, se fez necessário financiá-lo, prevendo a incidência de impostos. Dentre eles está o ICMS, tão importante para os estados. Previu-se que 25% da arrecadação do ICMS pertence obrigatoriamente aos estados e aos municípios.

O ICMS é um imposto que incide sobre operações relativas à circulação e ao fornecimento de mercadorias, prestações de serviços. Quando você compra um produto no mercado, o ICMS já está incluso no preço final do produto. É um imposto estadual, ou seja, somente os governos dos estados e do Distrito Federal têm competência para instituí-lo. Pode ser cobrado toda vez que um produto ou serviço tributável circula entre cidades, estados ou de pessoas jurídicas para pessoas físicas; é dizer, quando há uma comercialização tanto dentro do país como em relação a um bem importado.

Antes da LC 194/22, a alíquota de ICMS sobre os combustíveis era instituída de forma autônoma pelos estados e variava de 25 a 34%. Com a limitação legal e a imposição do teto fixado entre 17 e 18%, muitos estados terão impacto considerável em suas arrecadações. No Rio de Janeiro, por exemplo, a alíquota do ICMS sobre a gasolina era de 34% (a maior tributação do país), seguida por Minas Gerais e Piauí com 31% e Maranhão com 30,5%.

Essa redução das alíquotas para 17% causa forte impacto e repercute de diferentes maneiras, uma vez que – a partir do produto da arrecadação dos impostos – os estados destinam seus valores a áreas como, por exemplo, saúde e educação. Deve-se registrar que o ICMS representou 86% da arrecadação dos estados em 2021, isto é, aproximadamente R$ 652 bilhões. Com a alta da inflação e os preços dos combustíveis sujeitos às variáveis do mercado, os governos estaduais tiveram recorde nas receitas com impostos em 2022.

Segundo Boletim do Confaz, a arrecadação dos estados no primeiro trimestre de 2022 já soma um aumento de 1,8% comparado ao do ano passado. Foram cerca de R$ 213 bilhões arrecadados em 2021, ante os já somados R$ 217 bilhões no primeiro trimestre de 2022. O ICMS incidente sobre os combustíveis e lubrificantes foi responsável por elevar esse recorde de arrecadação dos estados.

A norma sancionada pelo chefe do Poder Executivo, portanto, busca reduzir o preço dos artigos considerados essenciais para a população brasileira, e pretende abrandar os efeitos da inflação, conforme dito anteriormente. Essa redução do ICMS, portanto, é uma redução emergencial, aparentemente necessária neste atual momento, já que atravessamos uma crise global sem precedentes, tendo em vista os efeitos da pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Da forma como havia sido sancionada, existia uma compensação até o final deste ano de 2022 para as perdas de arrecadação dos estados. Com a rejeição dos vetos, a compensação acontecerá agora de forma permanente, o que seria basicamente uma redução da dívida dos estados com a União, não se limitando a apenas para o último mês do ano e – pensando a longo prazo – isso poderá trazer um ganho para o consumidor.

Entretanto, mesmo com a redução da alíquota, não é garantido que os preços serão menores, já que existe uma variação do preço do dólar e do petróleo. Isso apenas amenizaria os aumentos tão exorbitantes como temos tido nos preços nas bombas ultimamente. Fica o questionamento se a LC 194/22 abre um precedente para que a ideia do imposto único seja de fato implementado e – mais do que nunca – escancara a importância de uma análise mais aprofundada acerca de uma reforma tributária eficiente.


Fonte: Jota

Data: 22/07/2022