Você Colunista - Coluna do dia 14/04/2025



AS AQUISIÇÕES DE INSUMOS USADOS DIRETA OU INDIRETAMENTE NO PROCESSO INDUSTRIAL E O DIREITO À APROPRIAÇÃO DO ICMS PAGO NESSAS OPERAÇÕES


I – EXPOSIÇÃO DA MATÉRIA

Determinada empresa industrial, contribuinte do ICMS, foi autuada por Auditor Fiscal da SEFAZ/CE por suposta falta de recolhimento do ICMS DIFAL, decorrente das aquisições, em outros Estados, de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento dessa empresa.

Em sua impugnação, a empresa apresentou Laudo Técnico elaborado pelo Núcleo de Tecnologia e Qualidade industrial do Estado do Ceará (NUTEC), uma autarquia vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado do Ceará (SECITECE). De lembrar que o NUTEC atua na pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica.

No referido Laudo Técnico, o NUTEC confirmou a condição de insumos utilizados no processo industrial pela empresa industrial.

Todavia, tanto na Primeira como na Segunda Instâncias de Julgamento do Contencioso Administrativo Tributário (CONAT/CE), os julgadores decidiram pela procedência da acusação fiscal em relação à falta de recolhimento do ICMS DIFAL decorrente das aquisições interestaduais de mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento.

Como última alternativa, a empresa industrial interpôs Recurso Extraordinário para a Câmara Superior do CONAT/CE.

Todavia, por meio de Exame de Admissibilidade do Recurso Extraordinário, o Presidente do CONAT/CE denegou o Recurso em questão, ao argumento de que, dos três critérios para a apropriação dos créditos do ICMS, definidos por Parecer Tributário da SEFAZ/CE – um ato administrativo –, a empresa autuada não teria cumprido o terceiro desses critérios, que seria a falta de escrituração contábil das mercadorias adquiridas como “insumos”, muito embora as notas fiscais de aquisição desses insumos tenham sido escrituradas no livro Registro de Entradas e na contabilidade do estabelecimento autuado, fatos estes que, pelo princípio da não cumulatividade do ICMS, já garantem o direito à apropriação desses créditos..

Com base nas premissas supra, demonstraremos, a seguir, os argumentos jurídicos que possibilitam a apropriação, como crédito, do ICMS pago nas aquisições interestaduais desses insumos utilizados no processo industrial, e que não cabe a Parecer Tributário da SEFAZ/CE, e nem Resolução de Câmara de Julgamento do CONAT/CE, estabelecer critérios que restrinjam o direito aos créditos do ICMS, por violação aos princípios da legalidade e da não cumulatividade do ICMS.


II – DA POSSIBILIDADE DER APROPRIAÇÃO, COMO CRÉDITO, DE MERCADORIAS ADQUIRIDAS E UTILIZADAS COMO INSUMOS NO PROCESSO INDUSTRIAL – POSIÇÃO DO STF E DO STJ

Cumpre ressaltarmos, aqui, pois relevante, a tensão existente entre a legalidade tributária, o princípio da não cumulatividade e as práticas administrativas da SEFAZ/CE e do seu órgão de julgamento, o CONAT/CE.

Vamos destrinchar a questão com base em fundamentos jurídicos sólidos e consistentes:

1. A definição de “insumo” exige previsão legal?

Sim, sem qualquer sombra de dúvida. A definição do conceito de “insumo”, para fins de creditamento do ICMS, exige base legal, especialmente porque:

  • A Constituição Federal, no art. 150, inciso I, e o Código Tributário nacional (CTN), no seu art. 97, estabelecem o princípio da legalidade tributária: somente lei em sentido estrito pode instituir ou majorar tributos, fixar sua base de cálculo ou definir hipóteses de crédito e de exclusão tributária.
  • A não cumulatividade do ICMS é norma constitucional (art. 155, §2º, inciso I, da CF/88), mas sua aplicação depende de lei que estabeleça as condições do creditamento. Isso está expressamente previsto no art. 20 da Lei Kandir (LC 87/1996), que trata dos créditos do ICMS, mas não define o que é “insumo” — ou seja, não há definição legal nacional ou estadual exata que condicione o direito ao crédito à escrituração contábil, ou que exija que o bem seja "integralmente consumido" sem integrar o produto final.

2. A SEFAZ/CE pode restringir o conceito de “insumo” por meio de parecer da SEFAZ/CE ou resolução do CONAT/CE?

Não pode de forma alguma!

Um parecer tributário da SEFAZ/CE ou uma resolução do CONAT/CE não têm força normativa para criar critérios restritivos ao direito ao crédito de ICMS.
Quando essas restrições não estão previstas em lei, em sentido estrito, elas violam:

  • O Princípio da Legalidade Tributária (CF, art. 150, I e CTN, art. 97);
  • O Princípio da Não Cumulatividade do ICMS (CF, art. 155, §2º, I);
  • Precedentes do STF e STJ, que proíbem interpretações restritivas não amparadas em lei em relação à apropriação dos créditos do ICMS.

Restrições ao direito de crédito de ICMS devem estar previstas expressamente em lei complementar ou estadual específica.

O Fisco não pode, por interpretação administrativa – Parecer Tributário da SEFAZ/CE –, condicionar o crédito à escrituração contábil como insumo, se a operação já está documentada por nota fiscal e escriturada no livro Registro de Entradas.

3. Sobre os critérios utilizados no Parecer da SEFAZ/CE

Os três critérios mencionados no Parecer Tributário da SEFAZ/CE, a serem observados de forma “cumulativa”, são os seguintes:

  • Registro contábil como insumo;
  • Participação direta no processo produtivo;
  • Ser consumido integralmente no processo, sem integrar o produto final;

Esses critérios não têm respaldo legal obrigatório e restringem indevidamente o conceito de insumo, contrariando a jurisprudência dos tribunais superiores.

De lembrar que o STF e o STJ já se posicionaram no sentido de que:

  • A exigência de que o bem se consuma integralmente no processo (ou que não integre o produto final) não é critério absoluto;
  • A escrituração contábil como "insumo" não é requisito legal para garantir o direito ao crédito, bastando a regularidade fiscal (NF) e a efetiva utilização na atividade-fim.

4. E o Laudo Técnico da NUTEC?

O Laudo Técnico do NUTEC, por ser órgão técnico vinculado à Administração Pública estadual, deveria ser considerado prova qualificada da natureza de insumo.
Rejeitar esse laudo por um critério meramente contábil-administrativo e não legal:

  • Afasta prova técnica relevante;
  • Contraria os princípios do devido processo legal e da verdade material no processo administrativo tributário.

Portanto, a SEFAZ/CE e o CONAT/CE não podem criar restrições ao conceito de insumo por meio de parecer ou resolução, sem previsão expressa em lei estadual. Condicionar o crédito à escrituração contábil como insumo é ilegal, se:

  • Há nota fiscal válida;
  • A aquisição está escriturada no Registro de Entradas;
  • O bem é utilizado no processo industrial, conforme demonstrado tecnicamente pelo Laudo Técnico do NUTEC, o que demonstra a sua total imparcialidade, por ser autarquia integrante da própria Administração Pública cearense.

Esse tipo de exigência administrativa pode e deve ser judicialmente questionado, pois viola os princípios da legalidade e da não cumulatividade do ICMS e a jurisprudência dos Tribunais Superiores, como veremos a seguir.

5. Precedentes do STF e do STJ

Tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestaram sobre a apropriação de créditos de ICMS nas aquisições de insumos utilizados no processo industrial, com base no princípio da não cumulatividade (art. 155, § 2º, inciso I da Constituição Federal).

A jurisprudência evoluiu para garantir que o crédito do ICMS seja efetivamente apropriado quando o insumo é essencial ou relevante para a atividade da empresa.

Abaixo, explicamos o posicionamento de cada uma das Cortes Superiores:

1. Posição do STF – Relevância do Princípio da Não Cumulatividade

Muito embora o STF não tenha se debruçado exaustivamente sobre os critérios de definição de “insumo” em relação ao ICMS, ele já reafirmou a obrigatoriedade da aplicação da não cumulatividade do ICMS, conforme o art. 155, § 2º, inciso I da Constituição, e reconheceu a ampla possibilidade de creditamento, inclusive quando os insumos não se incorporam diretamente ao produto final, mas são necessários à sua produção.

Precedentes relevantes do STF:

  • RE 607.056/PR (Tema 346 da Repercussão Geral): O STF decidiu que leis estaduais não podem restringir o direito ao crédito de ICMS relativo a bens que, ainda que não integrem o produto final, são essenciais ao processo produtivo. “A não cumulatividade do ICMS impede que se restrinja o creditamento do imposto pago na aquisição de bens utilizados no processo produtivo, ainda que não se integrem ao produto final.”

2. Posição do STJ – Conceito de Insumo no ICMS (mais definido no PIS/COFINS, mas com reflexos no ICMS)

O STJ tem jurisprudência consolidada sobre o conceito de insumo no PIS/COFINS (REsp 1.221.170/PR - Tema 779), que influencia diretamente o debate do ICMS, sobretudo quando se trata de definir o que pode ser considerado como insumo essencial para apropriação do crédito.

Critério da essencialidade ou relevância: O insumo é aquele que:

  • É indispensável à atividade-fim da empresa, ou
  • Possui relevância no processo produtivo ou prestação do serviço.

Nada obstante o fato de que esse critério tenha sido formulado em relação ao PIS e à COFINS, ele tem sido adotado como parâmetro analógico em relação ao ICMS, sobretudo quando se trata de produtos intermediários, combustíveis, lubrificantes, energia elétrica, EPIs, entre outros.

3. Exemplos de Insumos Reconhecidos para Créditos de ICMS

Com base nos entendimentos acima, são considerados insumos creditáveis pelo ICMS, os seguintes, desde que essenciais ou relevantes ao processo industrial:

  • Matérias-primas e produtos intermediários;
  • Material de embalagem;
  • Energia elétrica utilizada na produção (STF reconhece o direito ao crédito, mesmo que parcialmente, em razão da dedução da energia elétrica utilizada na atividade administrativa do estabelecimento);
  • Combustíveis e lubrificantes utilizados na operação de máquinas industriais;
  • EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) – se exigidos por norma de segurança e indispensáveis ao processo, como luvas e capacetes;
  • Produtos utilizados na limpeza de equipamentos industriais, se a limpeza for essencial ao funcionamento da indústria;
  • Bens consumidos no processo produtivo, ainda que não se incorporem ao produto final, desde que tenham relação direta com a atividade-fim.

Assim, tanto STF quanto o STJ vêm reconhecendo que a não cumulatividade do ICMS garante ao contribuinte o direito de se creditar do imposto incidente sobre as aquisições de insumos, desde que estes sejam essenciais ou relevantes para o processo de industrialização.

III – DA DENEGAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA A CÂMARA SUPERIOR, PELO PRESIDENTE DO CONAT/CE – ATO ILEGAL E ABUSIVO – IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA

A denegação do Recurso Extraordinário, para a Câmara Superior, pelo Presidente do CONAT/CE, envolve controle da legalidade de atos administrativos que limitam o direito de defesa do contribuinte em processo administrativo tributário, especialmente quando se trata de interpretação restritiva não prevista em lei e de ato monocrático que impede o conhecimento de Recurso Extraordinário pela Câmara Superior do CONAT/CE.

Com base nessa premissa, vamos analisar essa questão em dois blocos:

BLOCO I. O cerceamento de defesa no indeferimento monocrático do Recurso Extraordinário para a Câmara Superior do CONAT/CE

O Despacho do Presidente do CONAT/CE que negou seguimento ao Recurso Extraordinário com base exclusiva na ausência de escrituração contábil como “insumo”, apesar da presença dos outros dois critérios técnicos e da escrituração no Registro de Entradas, incorre em:

1. Violação do art. 5º, inciso LV, da CF/88 (ampla defesa e contraditório). “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A denegação de seguimento com fundamento não previsto em lei, baseada em critério criado pela jurisprudência administrativa do próprio CONAT/CE (ausência de escrituração contábil como insumo), e sem previsão legal expressa, viola diretamente esse direito fundamental, pois impede: a) o acesso à instância superior do próprio CONAT/CE (Câmara Superior); b) a apreciação do mérito do recurso pela Câmara Superior; c) a revisão do ato administrativo sancionador com base em argumentos relevantes (inclusive laudo técnico oficial, pois que emitido por autarquia integrante da Administração Pública cearense).

2. Desvio de poder e excesso de poder regulamentar. O Presidente do CONAT/CE exerceu competência negativa com base em critério discricionário e sem respaldo legal, o que configura: a) desvio de finalidade (art. 2º, parágrafo único, alínea “e”, da Lei nº 4.717/65 - LIA); b) excesso de poder regulamentar, pois não cabe à autoridade administrativa criar requisito formal não previsto na legislação tributária estadual para fins de reconhecimento do crédito de ICMS.

BLOCO II. Como resolver a questão jurídica? Estratégias possíveis:

1. Mandado de Segurança contra o ato que indeferiu o Recurso Extraordinário no CONAT/CE
Mesmo que a legislação do CONAT/CE não preveja pedido de reconsideração, é plenamente cabível o controle judicial do ato administrativo ilegal, por meio de Mandado de Segurança, com base nos seguintes fundamentos:

  • Ato administrativo ilegal e abusivo, por violação do art. 5º, inciso LV, da CF/88;
  • Ofensa ao devido processo legal administrativo, pois a jurisprudência interna não pode suprimir o acesso à instância superior sem amparo legal;
  • Nulidade do ato administrativo por excesso de poder e desvio de finalidade, conforme art. 2º da LIA e princípios constitucionais;
  • Precedentes do STJ que asseguram a jurisdicionalização do contencioso administrativo tributário quando há lesão ao direito de defesa:
    “O contribuinte pode valer-se do Poder Judiciário para corrigir ilegalidades do processo administrativo tributário que resultem em violação de direito líquido e certo.” (REsp 1.176.753/SP, rel. Min. Castro Meira).

Pedidos sugeridos no Mandado de Segurança:

  • Declaração de nulidade do despacho que indeferiu o Recurso Extraordinário;
  • Reconhecimento do direito da empresa ao acesso à Câmara Superior;
  • Ou, de outra sorte, solicitar o reconhecimento da ilegalidade da exigência do 3º critério (escrituração contábil como insumo), determinando o reconhecimento do direito ao crédito e solicitando a nulidade do Auto de Infração.

2. Pedido de tutela de urgência (se houver risco de inscrição em dívida ativa)
Se o lançamento tributário com exigência de ICMS não creditado estiver prestes a ser inscrito em dívida ativa (e posteriormente executado), é possível pleitear medida liminar no MS para suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, IV do CTN.

IV - CONCLUSÃO

Ante as premissas supra, podemos concluir que o indeferimento monocrático do Recurso Extraordinário no CONAT/CE, com base em critério não previsto em lei, impede o acesso ao órgão máximo do CONAT/CE, violando o art. 5º, inciso LV, da CF/88.
Trata-se de ato administrativo ilegal, que pode e deve ser atacado judicialmente, por meio de mandado de segurança, com fortes fundamentos constitucionais, legais e jurisprudenciais, como acima demonstrados, até porque não há previsão legal na Lei do CONAT/CE, ou no seu Regimento Interno, para buscar eventual “Pedido de Reconsideração” do Despacho do Presidente do CONAT/CE, que denegou a admissibilidade do Recurso Extraordinária, impossibilitando as análise do mérito pelos julgadores da Câmara Superior.
Assim, a melhor estratégia, na impetração do Mandado de Segurança, seria buscar o reconhecimento da ilegalidade da exigência do 3º critério (escrituração contábil como insumo), determinando o reconhecimento do direito ao crédito e solicitando a nulidade do Auto de Infração.


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Artigo produzido por José Ribeiro Neto


Advogado Tributarista e Penal-Tributarista, Auditor Fiscal da SEFAZ/CE aposentado e Mestre em Direito Constitucional. Foi Vice-Presidente e Presidente da 2ª Câmara de Julgamento do CONAT/CE, além de Julgador de Primeira e Segunda Instância. É autor dentre outros, dos seguintes livros: “Regulamento do ICMS/CE Integralmente Comentado”, “

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