Você Colunista - Coluna do dia 09/05/2024



O sigilo bancário não é direito absoluto. Por que o empresário cearense tem de se preocupar com isso?


A discussão acerca dos direitos individuais nunca foi tão acalorada como a que vem sendo travada atualmente no Brasil. O simples fato de haver uma discussão é um ótimo sinal, indicativo de que o brasileiro vem se tornando cada vez mais consciente de suas prerrogativas, a fim de se proteger contra eventuais abusos do estado. Porém, como em todo início de debate, nada mais natural que sejam adotadas concepções equivocadas sobre determinados assuntos. No caso concreto, vamos tratar da ideia de direito absoluto e do sigilo bancário.

Como o próprio nome indica, direito absoluto é aquele sobre o qual não se admite discussão, sendo inarredável, inafastável e inalienável. O melhor exemplo a ser citado é o direito a vida e a liberdade, dois bens jurídicos de importância fundamental para o ser humano. São prerrogativas escolhidas de forma proposital para ilustrar que até mesmo o direito a vida e a liberdade, em situações excepcionalíssimas, poderão ser afastados ou relativizados em prol da coletividade. Assim, estabelecido que mesmo a vida e a liberdade podem ser legalmente tolhidas em situações específicas, o que dizer do sigilo bancário?

Não é segredo ou novidade que o direito ao sigilo bancário pode ser afastado. Os casos mais comuns são aqueles em que a quebra do sigilo é determinada diretamente pelo Judiciário, para facilitar investigações criminais em curso. Entretanto, pouca gente sabe que existe um acordo de cooperação entre o Ministério Público e as entidades fazendárias, que dão poderes típicos de investigações aos fiscos para requerer de forma direta o acesso às movimentações financeiras dos contribuintes nos casos em que isso se mostrar necessário para o desenrolar de processos administrativos fiscais.

É discussão que se tornou tão atual quanto relevante com a edição do DECRETO Nº 35.974, de 30 de abril de 2024, do Governo do Estado do Ceará, que regulamenta diversas disposições do acordo de cooperação entre a SEFAZ e o Ministério Público Federal. Entre outras disposições, o Decreto estabelece que estão sujeitas à quebra do sigilo os “sujeitos passivos de tributos estaduais, bem como de seus sócios, administradores e de terceiros, ainda que indiretamente vinculados”. É uma gama extremamente ampla de pessoas sujeitas à medida, que na prática coloca o sigilo bancário em cheque para qualquer um que tenha tido relações com o contribuinte.

Naturalmente, isso não é medida que poderá ser adotada indiscriminadamente. O Decreto em si estabelece que o pedido de quebra de sigilo deverá ser medida necessária ao andamento da ação fiscal promovida pela SEFAZ. Assim, pelo menos em tese, faz-se necessário que o contribuinte já esteja respondendo processo administrativo, no qual seja preciso analisar os seus registros financeiros. Além disso, o dispositivo em questão determina não apenas que o contribuinte, como todos aqueles afetados pela quebra, sejam notificados de que esse pedido foi feito à administração bancária, a fim de que possa acompanhar a extensão e finalidade com que suas informações bancárias estão sendo utilizadas.

Em que pesem as boas intenções por trás da medida, o fato é que a história ensina que a administração fiscal tem por hábito exorbitar no uso do acesso às informações, além de descumprir prerrogativas básicas dos contribuintes, como a notificação específica. Tanto é assim que já existem diversas ações constitucionais questionando a possibilidade de se promover a quebra do sigilo bancário sem decisão judicial. Entretanto, em se tratando de ações em curso sem decisões definitivas, o fato é que o Decreto publicado no início deste mês já está vigente e já está produzindo efeitos desde 1º de fevereiro de 2024. Portanto, o que se recomenda é o cuidado redobrado não apenas com as movimentações financeiras, como também o acompanhamento de perto de ações fiscais promovidas pela SEFAZ, a fim de que não sejam surpreendidos com pedidos dessa natureza.


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Artigo produzido por Fernando Noronha


Advogado com mais de vinte anos de experiência; contador e graduando em Inteligência Artificial e Ciência de Dados. Experiência tanto no jurídico de grandes empresas como atuando na gerência e coordenação de escritórios terceirizados. Inglês fluente e familiaridade tanto na conversa como na escrita com clientes internacionais.

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