Você Colunista - Coluna do dia 04/04/2023



Nulidade das certidões de dívida ativa pós MP n. 1.160/2023


Líslie de Pontes Lima Lopes[1]

    A Medida Provisória n. 1.160/2023, de 12 de janeiro de 2023, dentre outros assuntos, dispõe sobre a proclamação do resultado do julgamento, na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), e altera a Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, para dispor sobre o contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade.

    A primeira modificação no processo administrativo tributário federal citada restabelece o voto de qualidade, que é o dever de os Presidente das Turmas do CARF, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais, de desempatar os julgamentos colegiados. Destaque-se: esses cargos são sempre ocupados por representantes da Fazenda Nacional.

    Tal situação é velha conhecida dos contribuintes, eis que vigorou até 14 de abril de 2020, quando foi publicada a Lei n. 13.988, que determinou a prevalência do benefício da dúvida em prol dos contribuintes. Na época, o Supremo Tribunal Federal, instado por meio de ação direta de inconstitucionalidade, afirmou que a mudança legislativa era uma opção legítima do Congresso e não contrariava a Constituição Federal.

    A despeito da defesa realizada por fazendários, o voto de qualidade, na verdade, retrata um voto com peso duplo em benefício do Fisco. Um exemplo de voto de desempate real acontece no Contencioso Administrativo Tributário do Estado do Ceará (CONAT), onde o Presidente vota apenas em caso de empate entre os Conselheiros.

    No âmbito federal a situação é diferente: o Presidente profere seu voto durante a apreciação do recurso e, em caso de empate, vota novamente. Por óbvio, não há chance de existir uma mudança no entendimento proferido na primeira oportunidade e o voto é repetido.

    O restabelecimento do voto de qualidade nada mais é do que um ato que retrata o desequilíbrio na relação entre Fisco e contribuinte, com a demonstração clara de que há a prevalência da hierarquia.

    Outra modificação trazida pela medida provisória diz respeito à compreensão de que possuem baixa complexidade os casos cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere mil salários-mínimos. A consequência dessa alteração é: em tais casos, o julgamento será realizado em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, composta exclusivamente por auditores fiscais.

    É importante deixar claro, desde já, que restringir o acesso ao CARF é medida inconstitucional, pois a função essencial do Órgão é fazer o controle da legalidade do lançamento e resguardar os direitos fundamentais dos contribuintes, os quais independem do valor do crédito tributário.

    A adoção do montante envolvido como critério de apreciação do recurso pelo Conselho faz transparecer que o Fisco entende como relevantes apenas os casos que causam grande impacto nos cofres públicos, ignorando completamente a razão de existir do processo administrativo.

    As mudanças trazidas pela medida provisória são inconstitucionais, ainda, pois cerceiam o direito de defesa e restringem o duplo grau de jurisdição.

    Não se pode esquecer que a presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa não decorre da presunção de validade dos atos administrativos. Não. A incidência da presunção a CDA decorre da existência de um processo administrativo prévio que respeite o devido processo legal.

    A lei de execuções fiscais traz a condição expressamente: a dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Compreende-se, portanto, que se não há processo administrativo regular que dê suporte à inscrição em dívida ativa, não se pode presumir a regularidade do título.

    Os processos administrativos que tramitarem seguindo essa regra serão nulos e, consequentemente, as certidões dele decorrentes também. Enquanto isso as execuções fiscais serão propostas normalmente, seguindo o fluxo da cobrança judicial do crédito, contudo fundamentada em títulos viciados.

    A situação é grave. Haverá uma aparência de legalidade e o reconhecimento será limitado apenas aos contribuintes que buscarem o Judiciário, pelo menos nesse primeiro momento.


[1] Advogada. Professora. Mestra em Direito (UFC). Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/CE (2022/2024). Conselheira Substituta do Contencioso Administrativo do Estado do Ceará (CONAT CE). Membro efetivo do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET). MBA em Planejamento Tributário Estratégico (PUC-Rio). Especialização em Direito e Processo Tributário (UNIFOR). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário.


Foto do Autor

Artigo produzido por Líslie de Pontes Lima Lopes


Líslie de Pontes Lima Lopes

Colunas recentes