ICMS sobre energia e telecom: decisão do STF e desequilíbrio concorrencial

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ao longo de 2021, inúmeros casos envolvendo matéria tributária, dentre os quais se destaca o RE 714.139, no qual se decidiu, sob o rito da repercussão geral, pela impossibilidade de os estados e o Distrito Federal fixarem alíquotas do ICMS para energia elétrica e serviços de comunicação superiores àquelas aplicáveis às operações em geral.

Para além da importância do que foi decidido, no que diz respeito ao mérito — pois se reafirmou a necessidade de observância do princípio da seletividade na fixação de alíquotas do ICMS e, ainda, abriu-se espaço para novas discussões sob os mesmos fundamentos —, o julgamento ganhou destaque pelo modo como a corte modulou os efeitos da sua decisão.

Conforme aqui noticiado, o STF decidiu, por maioria, que a proibição de cobrança majorada somente passará a valer a partir de 2024. Portanto, por pelo menos mais dois anos os estados e o Distrito Federal estão autorizados a aplicar alíquotas superiores à média no cálculo do ICMS incidente sobre operações com energia elétrica e prestações de serviços de telecomunicação.

Tal autorização, segundo o ministro Dias Toffoli, teria como objetivo garantir o equilíbrio das contas públicas, já que, segundo cálculos do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Consefaz), a decisão da corte acarretaria perda significativa de arrecadação num momento difícil para muitos estados.

Todavia, é curioso notar que, também neste caso, a modulação foi decidida considerando-se unicamente os impactos para os entes tributantes. Em momento algum se tratou dos efeitos negativos que adviriam dessa decisão, especialmente para os contribuintes e a livre concorrência.

Para lembrar: ao postergar os efeitos da sua decisão para 2024 — primeiro exercício financeiro regido pelo próximo plano plurianual (PPA) de cada unidade federada —, a Suprema Corte fez uma ressalva: tal modulação não se aplica para as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (ou seja, 5 de fevereiro de 2021).

Portanto, os contribuintes[1] que ajuizaram medidas judiciais antes dessa data terão o direito não só de recuperar valores pagos indevidamente, mas também de se sujeitar, desde logo, a alíquotas menores do que aquelas em vigor para todos os demais.

Vejamos um singelo exemplo: suponha-se que o contribuinte propôs ação dessa natureza em 1º de janeiro de 2014 (alguns meses antes da decisão do STF reconhecendo a repercussão geral da matéria, que foi proferida em 13 de junho de 2014). Suponha-se, ainda, que o ICMS continuou sendo recolhido com base em alíquota majorada até o julgamento do mérito no “leading case” e da decisão final quanto à modulação.

Neste caso, o autor da demanda:

  • estará autorizado a requerer a restituição de valores pagos indevidamente no período de 1º de janeiro de 2009 até 18 de dezembro de 2021, ou seja, quase 13 anos; e
  • suas aquisições, já em 2022, ficarão sujeitas a alíquotas menores do que aquelas aplicáveis aos demais contribuintes.

Se considerarmos, por exemplo, os valores envolvidos no próprio “leading case”, a aquisição de energia elétrica e de serviços de comunicação ficará sujeita à alíquota de 17%, enquanto os concorrentes que não ajuizaram medidas judiciais farão as mesmas aquisições com a aplicação de alíquota majorada (25%).

Vê-se, pois, que, ainda que se ignore as vantagens advindas da recuperação do indébito, aquele que ajuizou a demanda vai experimentar uma sensível redução nos custos da sua atividade, redução essa que, obviamente, acarretará uma evidente vantagem em relação aos seus concorrentes.

Essa vantagem, é claro, nada tem de ilegítima. Ilegítimo, isso sim, é permitir a cobrança de tributo sabidamente inconstitucional de outros contribuintes que não foram alcançados pela modulação.

É curioso notar, porém, que tais decisões não violam apenas as normas que regulam o exercício da competência tributária (estimulando, inclusive, a instituição de novos tributos fora dos limites por elas estatuídos). Cria, também, enormes desequilíbrios no ambiente concorrencial, a despeito dos inúmeros instrumentos previstos na Constituição Federal para assegurar uma ordem econômica na qual os agentes atuem em igualdade de condições (como, por exemplo, a exigência de lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação — art. 146-A).

É evidente, portanto, que, ao julgar pedidos de modulação, deve a Suprema Corte considerar, também, os outros efeitos que dela advirão (além daqueles experimentados pelos entes tributantes) e seus impactos sobre a segurança jurídica e os interesses da sociedade.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) há muito decidiu que o consumidor, na condição de “contribuinte de fato”, é parte legítima para propor ações questionando a exigência de ICMS sobre operações envolvendo energia elétrica (REsp 1.299.303 – Tema Repetitivo 537) e tem aplicado igual entendimento quando a medida envolve a prestação de serviços de telecomunicação (Cf. AgRg no REsp 1473551/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014).

É de se supor, portanto, que inúmeros contribuintes “de fato” — como no caso levado a julgamento no STF — tenham proposto ações para questionar as alíquotas aplicáveis nas aquisições de energia elétrica e serviços de telecomunicação, requerendo a redução do valor exigido e a restituição de valor pago indevidamente.


Fonte: Jota Tributos 

Data: 16/02/2022