‘Desenrola’ é insuficiente para sanar todas as dívidas

O desenho inicial do Desenrola, programa de renegociação de dívidas pensando para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2,6 mil), levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva é insuficiente para a “limpeza” de todas as dívidas dos negativados dessa faixa de renda, apurou o Estadão/Broadcast.

Como os recursos do fundo do Tesouro Nacional, que vai dar garantia de 100% às operações, devem ser limitados a R$ 20 bilhões, é provável que algumas dívidas fiquem de fora do programa, e, assim, nem todos os compromissos sejam renegociados.

Conforme mostrou o Estadão/Broadcast, o programa deve permitir a renegociação para quem está nessa faixa e tem dívidas de até R$ 5 mil que estavam atrasadas há mais de 180 dias no dia 31 de dezembro de 2022. A ideia é que o banco escolhido pague a dívida para o credor e então faça um novo empréstimo para o cliente, com desconto. A taxa de juros deverá ser de até 1,99% ao mês. Caso o cliente não pague, terá o nome sujo de novo e o banco pode apresentar o contrato para o Tesouro, que honra a garantia de 100% do valor.

O assunto foi debatido com a equipe econômica, que está ciente de que não vai dar para resolver, na íntegra, o problema de todos os negativados do País. A avaliação, porém, que o programa na versão proposta a Lula deve “fazer a diferença”, especialmente considerando análises iniciais em birôs de crédito sobre a quantidade de dívidas por CPF, disse um interlocutor que participou das discussões do programa.

Caso Lula discorde, todos devem ser chamados à mesa novamente para ajustar as premissas iniciais. Se aceitar a proposta, o programa pode ser anunciado próximo ao carnaval, junto com mudanças no Imposto de Renda e no salário mínimo, como mostrou o Estadão na segunda.

No formato proposto, o Desenrola prevê duas fases - a primeira com os credores, como bancos, varejistas, empresas de telefonia e de serviços públicos, e depois com os devedores. Segundo apurou a reportagem, nas premissas apresentadas a Lula, os grandes bancos, que participaram ativamente da formatação do desenho inicial, teriam disposição de integrar o programa.

A fase inicial vai funcionar como um leilão. O governo deve abrir um processo para que os credores manifestem se querem participar do programa e qual o porcentual de desconto que estão dispostos a conceder sobre o total de dívidas que têm a receber. A partir disso, o governo vai escolher as empresas participantes do Desenrola, com base no montante do fundo garantidor que deve ser dedicado a cada setor e ao período de vencimento da dívida.

Para tal, primeiro, o governo provavelmente terá de abrir uma consulta pública e contratar uma empresa ou universidade para fazer a modelagem do leilão. Mas, com esse procedimento, é provável que empresas fiquem de fora da renegociação de dívidas patrocinada pelo governo, impossibilitando, portanto, que os consumidores quitem suas dívidas em atraso com esses credores.

Depois, na etapa dos devedores, o governo deve pedir ao público que acesse a página na internet a ser criada para o programa, com provável autenticação pelo login gov.br. Lá, o consumidor deve poder verificar quais dívidas são passíveis de serem quitadas com as regras do Desenrola e escolher o que quer pagar e a instituição financeira participante com que quer fazer a renegociação.

Uma condição imposta pela equipe econômica nas conversas iniciais com as partes interessadas é de que o credor, tão logo “vença” o leilão, limpe o nome dos consumidores que tenham dívidas vencidas de até R$ 100 com a empresa, mesmo antes do pagamento pelo banco participante. Seria uma espécie de reciprocidade, já que os credores irão se beneficiar com o programa, recebendo recursos que, muitas vezes, na prática, já tinham desistido de reaver. A dívida não seria perdoada, mas o devedor sairia da lista de negativados, favorecendo novos empréstimos e até seleções de emprego e contratos de aluguel.

Mesmo que Lula aceite o formato do Desenrola apresentado pela equipe econômica e anuncie o programa próximo ao carnaval, pessoas que participam das discussões avaliam que a operacionalização deve ser complexa, e deve demorar algum tempo para que o programa esteja realmente de pé.


Fonte: Tribuna do Norte

Data: 15/02/2023