RFB define conceito de ‘software importado’ para regime cumulativo de PIS/Cofins

No final do ano passado, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa n° 2.121 (IN 2121) para atualizar e consolidar as regras de apuração, cobrança, fiscalização e administração do PIS/Cofins.  

Uma das alterações trazidas pela nova IN, e que impacta diretamente as empresas do setor de tecnologia, é a definição da expressão “software importado” utilizada para verificação sobre a possibilidade de empresas de informática apurarem o PIS/Cofins com base no regime cumulativo.  

Apenas para relembrar, a Lei 10.833/2003, artigo 10, inciso XXV estabelece que ficam sujeitas ao regime cumulativo das contribuições as receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes das atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso, bem como de análise, programação, instalação, configuração, assessoria, consultoria, suporte técnico e manutenção ou atualização de software, compreendidas ainda como softwares as páginas eletrônicas”, com exceção das receitas auferidas com “a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado” (artigo 10, §2 da mesma Lei).   

Vale notar que a legislação do PIS/Cofins sobre o tema é de 2003 e foi promulgada com o objetivo de restabelecer a tributação cumulativa para as empresas de software para incentivar a “indústria nacional desse segmento estratégico[1] no país.  

Durante esses 20 anos desde a edição da Lei 10.833, não existia qualquer dispositivo legal ou infralegal definindo expressamente o que seriam os “softwares importados” descritos na exceção da regra para fins da aplicação da exceção contida na legislação.  

Esse cenário levou contribuintes a disputarem o tema com as autoridades fiscais ante os divergentes entendimentos que surgiram sobre o assunto.  

Isso porque, na visão das autoridades fiscais, softwares importados seriam apenas aqueles desenvolvidos no exterior e para cá trazidos, independentemente da sua forma ou do modelo de comercialização do programa de computador.  

Por outro lado, alguns contribuintes sustentavam o software importado seria qualquer software que tenha passado por um processo de nacionalização, entendido como a entrada do bem físico no país mediante despacho aduaneiro e registro de importação, como ocorre no caso de importação de mercadorias.  

Essas divergências sobre o conceito de “software importado” chegaram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pelo menos uma vez[2], tendo sido bastante noticiado o resultado da decisão adotada pelo Tribunal na ocasião.

No referido caso, o contribuinte alegava ter direito de apurar suas receitas com a distribuição de software padronizado importado do exterior sob o regime cumulativo do PIS/Cofins, porque tal software era adquirido via download para posterior distribuição e, dessa forma, não passava por um processo de nacionalização para ser em enquadrado como “importado”.  

Essa posição do contribuinte, contudo, restou vencida. Prevaleceu, no caso, o entendimento de que o conceito de software importado não deve ser extraído do Direito Aduaneiro, uma vez que software não é considerado uma mercadoria para fins aduaneiros. O “software importado”, para fins da legislação do PIS/Cofins, “seria aquele desenvolvido fora do País e para cá trazido por qualquer meio, seja em um suporte físico, seja por meio de download pela internet”.  

Com a edição da nova regulamentação do PIS/Cofins, a RFB busca pacificar o tema ao incluir na IN 2121 uma definição expressa de software importado, a saber:  

 “Artigo 126, (…) § 2º Para efeitos do § 1º, considera-se software importado aquele produzido por pessoa jurídica cuja sede não está localizada no país”.  

Como se denota, a RFB adotou uma definição de software importado que sinaliza a intenção por considerar como softwares todo programa de computador que for oriundo de empresa no exterior, tendo sido por lá produzido. 

Embora a definição acima traga algum tipo de segurança para os contribuintes no momento de classificar os softwares por eles comercializados e apurar PIS/Cofins, fato é que ela ainda deixa dúvidas. 

Podemos aqui citar algumas, a começar pelas dúvidas geradas em razão do uso do termo “produzido” pela IN 2121. Referido termo não teve seu significado especificado na IN 2121, e nem se encontra definido expressamente na lei de direitos autorais ou na lei do software.  

Ademais, ainda que a atividade de “produção” do software pudesse ser entendida como a redação do seu código fonte, outros dois questionamentos surgiriam: primeiro, ao indicar que software importado é aquele “produzido por pessoa jurídica”, estaria a RFB aceitando a possibilidade de autoria/criação de um direito autoral por pessoas jurídicas? Essa possível conclusão traz consequências diversas, inclusive em outras frentes, pois contrastaria do posicionamento histórico adotado pelas autoridades fiscais de que apenas pessoas físicas são criadoras de obras autorais.   

O segundo questionamento é quanto às adaptações feitas ao software. Não é possível afirmar categoricamente, ao menos pela redação da IN 2121, se e quando softwares derivados de um software “original” poderiam ser considerados como software nacional para fins de aplicação do regime cumulativo do PIS/Cofins.  

Se tomarmos “produzido” como “originalmente criado” pela pessoa jurídica, ajustes no software feitos localmente não alterariam sua classificação como software importado. Por outro lado, se considerarmos que “produzido” é uma ação que pode também ser realizada de forma derivada, sobre um software original, atingindo-se resultados em que a nova versão do programa assume funcionalidades e integrações distintas, nesse caso a definição da IN 2121 ao menos excluiria softwares importados com desenvolvimentos relevantes no país.   

Ainda, a IN 2121 também traz dúvidas para casos de softwares desenvolvidos por pessoas físicas. Isso porque, partindo de uma interpretação literal do dispositivo, um software adquirido de pessoa física no exterior não seria considerado um “software importado” para fins de aplicação do regime cumulativo do PIS/Cofins.  

Nessa mesma linha, também podem gerar questionamentos situações nas quais o país no qual localizado o produtor do software não aceita que uma pessoa jurídica seja considerada autora e, consequentemente, quem produziu tal software. Por exemplo, nessa hipótese, havendo vedações de autoria para pessoa jurídica num determinado país, seria possível sustentar que o software adquirido de uma empresa lá estabelecida não seria considerado “produzido” por tal pessoa jurídica e, assim, mesmo que venha de fora do país, não seria um software importado?  

A definição da IN também traz desafios para as situações em que a pessoa física desenvolvedora do software está no Brasil, mas trabalhando para uma empresa estrangeira ou sobre um VPN estrangeiro. Ou, então, se essa pessoa física está residindo fora do país, mas atuando para uma empresa nacional. Nesses casos, deve-se considerar o elemento subjetivo (pessoa) ou objetivo (local da programação do código fonte) para identificação do caráter nacional ou importado do software? 

Enfim, esses são apenas um dos questionamentos que os contribuintes já estão enfrentando e, como a prática já tem nos mostrado, muitas outras devem surgir ao longo dos próximos meses.  

Enquanto não houver clareza de como os tribunais administrativos e judiciais devem tratar do tema, vale o alerta e a recomendação para que analisem seus casos específicos, examinando os respectivos contratos, aspectos técnicos do software, documentos locais de venda, termos e usos e, inclusive, a legislação do país exportador, a fim de verificar a possibilidade jurídica da classificação de softwares adquiridos no exterior e eventualmente adaptados localmente de permanecerem sujeitos ao regime cumulativo do PIS/Cofins.



Fonte: Jota

Data: 14/02/2023