Projeto de lei obriga shopping a detalhar gastos para os lojistas
Um dos assuntos que sempre estressou a relação entre administradores de shoppings e lojistas é a falta de divulgação de gastos com publicidade e serviços dos empreendimentos.
Para estar em um shopping, geralmente, as lojas satélites pagam aluguel, um valor fixo ou um percentual sobre faturamento, condomínio e uma taxa para gastos com publicidade.
O que os lojistas reivindicam, há tempos, é o mesmo procedimento de um edifício residencial, no qual os condôminos têm acesso todo mês a valores gastos em cada serviço contratado.
“Os gastos dos shoppings são uma verdadeira caixa preta. Os comerciantes nem sabem o que estão pagando”, afirma Daniel Cerveira, advogado da Cerveira Advogados Associados.
Cerveira já recorreu à Justiça em nome de dezenas de lojistas para obter tais informações. Diz que, ainda assim, não é fácil consegui-las. Os shoppings, geralmente, recorrem.
PROJETO DE LEI
A falta de transparência nos gastos dos shoppings levou a deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) a entrar recentemente com um projeto de lei na Câmara dos Deputados para obrigar os empreendimentos a prestar contas de ações de publicidade.
Geralmente, os lojistas pagam entre 10% e 20% do seu faturamento para uso em marketing dos centros comerciais, como propaganda em televisão, redes sociais, distribuição de prêmios.
Em seu projeto, a deputada pede inclusão de alguns itens em texto da Lei do Inquilinato (Lei 8.245, de 1.991), exigindo a prestação periódica de gastos com promoções ou similares.
Valor total arrecadado mensalmente pelo empreendimento, discriminação de ações, gastos em cada uma delas, projeção de resultados são algumas das obrigações citadas no projeto.
Mais: em caso de não realização da prestação de contas, como um atraso de 30 dias, por exemplo, o lojista deve ser beneficiado com uma redução de 10% no valor do aluguel.
Se ultrapassar um mês de atraso, o corte no valor da locação deve ser de 30%.
“Lojistas, principalmente pequenos e médios, estão nos procurando para relatar a disparidade nas relações com os shoppings. Como há diferença de poder, cabe, sim, existir uma regulamentação que torne os termos de negociação mais justos”, afirma Natália.
Em sua maioria, as demandas feitas à deputada vieram de comerciantes de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Distrito Federal e Minas Gerais.
Além da falta de transparência nos gastos, práticas abusivas na renovação de contratos de aluguel e até descumprimento de cartela de serviços, diz, são outras reclamações.
Descumprimento de cartela de serviços acontece quando um shopping, diz, coloca muito próximas lojas que vendem os mesmos produtos, desrespeitando acordos pré-estabelecidos.
Diferentemente do aluguel, cujos valores variam em cada shopping, custos compartilhados, como taxa de promoção e condomínio, de acordo Natália, devem ser informados aos lojistas.
Para tentar equilibrar a relação entre shoppings e lojistas, a deputada estuda várias propostas legislativas e uma delas, já pronta, é a que garante a transparência nos gastos com publicidade.
A deputada ouviu dos lojistas que o problema não é pagar uma taxa destinada à promoção, mas não saber o total arrecadado e os detalhes dos gastos do empreendimento.
“O projeto proposto, além de tornar a relação mais transparente, contribui para melhorar a governança dos shoppings”, diz Magnus Marques, assessor parlamentar da deputada.
O projeto foi protocolado e está em fase inicial de tramitação. Deve passar por comissões internas. A deputada pretende aprovar requerimento de urgência para acelerar a tramitação.
OUTRO PROJETO EM ELABORAÇÃO
Um outro projeto, que trata de forma mais abrangente das relações entre shoppings e lojistas, diz Natália, está em elaboração para ser enviado à Câmara dos Deputados até o final de abril.
“Vimos que existe uma relação draconiana. As lojas são submetidas a algumas condições sem poder de negociação, e ainda ficam sujeitas a retaliações. Este novo projeto, que deve ter uma resistência ainda maior dos shoppings, vai evitar abusos na relação”, afirma ela.
Entre os pontos que serão abordados está o fim do 13º aluguel, mais transparência na cartela de serviços e redução de multas para lojista que deseja deixar o empreendimento.
“Os shoppings firmam contratos de cinco anos com um lojista e, se por algum motivo, o comerciante deseja sair, tem de pagar uma multa de 50% do valor que falta pagar”, diz.
Outra queixa dos lojistas, diz ela, é que quando um shopping deseja expulsar um lojista, só renova o contrato, muitas vezes, com um valor de aluguel três vezes maior.
“Nesta perspectiva de relação desigual, de poder de negociação não equivalente, é possível ter uma regulamentação mesmo considerando uma relação privada”, diz.
Um exemplo clássico de situação equivalente, diz, é o Código de Defesa do Consumidor, que reconhece o poder maior de uma das partes, e tem uma regulamentação.
“Queremos trazer esta perspectiva para a relação shopping e loja”, diz.
AUDITORIA EXTERNA
Um outro projeto de lei, número 3.152, de 2015, que está parado na Câmara dos Deputados, também trata das relações entre shoppings e lojistas ao obrigar o empreendimento a realizar auditoria externa nas contas referentes às despesas cobradas de seus locatários.
“Esses projetos de lei têm grande relevância porque, além de ficar claro que existe direito à prestação de contas, é uma forma de gerar disciplina para os shoppings sobre gestão e buscar eficiência nas contas de condomínio e fundo de promoção”, diz Cerveira.
Os lojistas, diz ele, têm muitas dúvidas que não conseguem esclarecer com os shoppings.
“É sabido que muitas lojas âncoras, por exemplo, não pagam condomínio. Como fica o rateio desse valor? É o lojista quem paga ou o shopping? Quem paga o condomínio de lojas vagas? O correto é o shopping pagar”, diz.
Os custos de condomínio e de fundo de promoção, diz, estão elevadíssimos, impactando muitas operações, exigindo maior eficiência dos shoppings.
“Como são feitas as concorrências para prestação de serviços, como limpeza, segurança, nos shoppings?.”
Cerveira está prestes a entrar na Justiça em nome de um lojista de outlet que quer saber se há isonomia no rateio do condomínio.
“Este lojista paga R$ 100 o metro quadrado de condomínio e está achando que tem pago mais que outros”, diz.
ABLOS
Mauro Francis, presidente da Ablos (associação de lojistas satélites), diz que, muito provavelmente, os dois projetos (o de 2015 e o deste ano) serão unificados.
“A obrigação de prestar contas já existe tanto no Código Civil como na Lei do Inquilinato, só que, no caso da maioria deles, as despesas detalhadas não são informadas”.
No caso do fundo de promoção, diz, uma associação de lojistas de cada empreendimento deveria acompanhar o valor arrecadado e os gastos, o que não tem acontecido.
Um executivo de shopping, que prefere não se identificar, diz que os lojistas deveriam manter ativa essas associações para acompanhar os recursos do fundo de promoção.
Ele mesmo já ouviu dentro da empresa onde trabalha diretores autorizando uso de dinheiro de fundo de promoção para pagar viagem de executivos para a NRF, a maior feira de varejo que acontece todos os anos em Nova York.
AD SHOPPING
“Me espanta o shopping que não faz prestação de contas para os lojistas. Nós fazemos, enviando um demonstrativo todo o mês e outro a cada trimestre”, afirma Tony Bonna, diretor da AD Shopping para as regiões Norte e Nordeste do país.
Nos shoppings da AD, diz ele, os lojistas têm presença na questão de verbas de marketing.
“Esse movimento (projeto de lei) acontece porque um ou outro shopping não tem prestado conta e isso desperta a necessidade de uma lei. Para nossa empresa, não atinge em nada.”
Consultores de varejo ouvidos pelo Diário do Comércio, que estão o tempo todo em contato com lojistas e shoppings, acham difícil projetos como os citados acima virarem lei.
“A pressão dos shoppings é muito grande. Todo o lojista quer saber onde está alocado o dinheiro que ele paga para os empreendimentos, mas...”, diz um consultor.
Fonte: Diário do comércio