Ceará: Com rotina exaustiva e sem reajustes, entregadores de plataformas dizem ganhar até 3 vezes mais em Fortaleza
Antes de ingressar no ramo, Alexsandro trabalhava em uma concessionária de energia. Certo dia, navegando pela rede social TikTok, se deparou com um vídeo no qual uma pessoa explicava a possibilidade de trabalhar com entregas para plataformas como Mercado Livre, Shopee e Amazon.
Foi aí que surgiu o interesse e, após responder a um questionário, ele foi aprovado e passou a ser motorista parceiro. “O passo seguinte é assistir aos cursos sobre a rotina. Na semana seguinte, você já é escalado para começar”.
Apesar dos percalços que a atividade de dirigir por Fortaleza e região metropolitana impõem, como custo do combustível — a principal dificuldade, segundo Alexsandro, precariedade das vias e outros perigos, o trabalho vale a pena. “Hoje, ganho três vezes mais (do que ganhava na concessionária de energia). Desse ramo, não saio mais”.
Além da possibilidade de garantir uma renda maior, Alexsandro também reforça que é possível fazer a própria rotina, já que o horário não é exatamente fixo. De acordo com ele, há dois horários de retirada de encomenda: de madrugada, às 4 horas, e à tarde (13 horas), podendo o entregador escolher um desses turnos.
“Você é seu patrão. Essa é a principal e a mais importante vantagem. Dela vem inúmeras outras vantagens”, avalia o motorista. Para exercer o ofício na plataforma com a qual ele trabalha, é preciso se inscrever como Microempreendedor Individual (MEI) em algumas Cnaes (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), específicas.
De acordo com a Junta Comercial do Ceará (Jucec), há 29.827 MEIs ativos em atividades relacionadas à entrega de mercadorias no Estado.
No TikTok, uma aparente infinidade de vídeos abordam conteúdos sobre “como ser um motorista parceiro” de marketplaces. Nas publicações, usuários compartilham desde rotina, dificuldades, dicas, tira-dúvidas e "causos" curiosos da profissão que é uma das novas formas de trabalho contemporâneo.
A reportagem buscou Mercado Livre, Shopee e Amazon para informações sobre quantidade de motoristas parceiros cadastrados e informações sobre como funciona o esquema de entregas. Shopee e Mercado Livre não participaram da matéria.
Serviço de entrega da Amazon
Mais de 140 motoristas parceiros no Ceará fazem parte do Delivery Service Partners, programa de Última Milha (ou Last Mile) da Amazon "que visa capacitar empreendedores que desejam participar dos serviços de entrega da Amazon para aumentar sua renda por meio de uma solução de negócios onde possam gerenciar seu serviço de entregas para atuar com pacotes da Amazon", segundo a empresa.
"A Logística da Amazon opera por meio de uma rede interconectada de pessoas, centros logísticos e tecnologias avançadas, fortalecida por provedores de serviços de entrega de última milha. Essa infraestrutura visa oferecer um serviço mais rápido e confiável, aprimorando a experiência geral do cliente. Colaboramos com mais de 100 provedores de Última Milha no Brasil que fazem entregas todos os dias usando diferentes meios de transportes para atender todas as partes do país", diz a Amazon.
Ainda de acordo com o grupo, desde abril de 2023, quando o programa de parceria no serviço de entrega foi lançado no Ceará, "o número de motoristas cresce de forma contínua" no Estado. "O programa foi criado com o objetivo de expandir a rede de transporte da Amazon e capacitar empreendedores locais, promovendo o crescimento de negócios regionais e fortalecendo a conexão com as comunidades".
A empresa destacou ainda que "é comprometida em garantir que todos os funcionários e parceiros recebam o mesmo tratamento e oportunidades de crescimento profissional para que possam atingir seu potencial máximo". "Atendemos todos os bairros de Fortaleza e a região metropolitana, incluindo cidades como Aquiraz, Eusébio, Horizonte, Pacajus, Itaitinga, Maracanaú, Maranguape e Caucaia. Além disso, contamos com uma segunda unidade operacional destinada ao atendimento de áreas do interior do Estado", finaliza a Amazon.
Jornada longa e grande volume de entregas
Se para Alexsandro a atividade possibilita fazer o próprio horário, para o motorista parceiro Gilvan Viana a situação não é bem essa. Também no ramo há pouco menos de um ano, ele trabalha com entregas para outro marketplace, mas revela que só sabe o horário de início da rota no dia anterior. Na data em que cedeu entrevista para essa reportagem, a jornada havia iniciado por volta das 10h.
Ele também trabalhava em uma empresa do ramo de energia e, ao ser desligado, passou a refletir sobre a profissão. “Energia é muito perigoso e não é valorizado”, pontua. Por intermédio de um parente, ele conheceu e começou a atuar como motorista, mas ele explica que, no seu caso, o cadastro é por meio de uma transportadora.
De fato, o trabalho como motorista lhe permite ganhar cerca de duas vezes mais do que no emprego anterior, apesar das dificuldades. “A gente leva água e um lanche no carro, para ser mais rápido. Quando a gente já conhece a região das entregas, também é mais rápido. Se você for rodar em um canto que não conhece, tende a demorar mais”, explica.
Além disso, ele concorda que o aumento do preço da gasolina é um grande gargalo. Para piorar, relata que o valor pago pelas entregas não teve reajuste, reduzindo os ganhos.
No começo, era bom porque dava para fazer duas rotas, mas agora só dá para fazer uma. Antes, eram menos pacotes. Agora, são mais pacotes, mas continua o mesmo dinheiro. E aumentou o custo, porque aumentou gasolina e tem manutenção. Ontem, por exemplo, furei o pneu
No caso do marketplace com o qual ele trabalha, a rota é composta por 90 paradas e as entregas enchem duas “bags”, grandes sacolas estruturadas repletas de pacotes de pequeno a médio porte que ele coloca no carro, um modelo Saveiro com capota.
“É R$ 284 a rota. Domingo e feriado, a gente ganha R$ 355. Para mim, compensa, mas eu não faço só isso. Sou empreendedor, faço drinks em festas, vendo castanha, faço um monte de coisa. Como já trabalhei de eletricista, às vezes faço alguns trabalhos de eletricista. Tem gente que só tem aquela renda, só sabe fazer aquilo ali”, afirma Gilvan.
Condições de trabalho
O advogado Washington Barbosa, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e CEO da WB Cursos, lembra que o microempreendedor individual não tem horário a cumprir, mas também não recebe férias, décimo terceiro salário ou FGTS, direitos garantidos aos trabalhadores CLT. "O MEI é o microempreendedor individual, então ele trabalha por conta própria".
Porém, há direitos previdenciários. "Quando se é MEI, você paga 5% do salário mínimo como contribuição previdenciária mensal. Essa contribuição vai dar direito a aposentadoria, somente por idade. Dessa forma, a mulher pode se aposentar com 62 anos de idade e 15 anos de contribuição e o homem com 65 de idade pelo menos 20 anos de contribuição".
"Essa contribuição também dá direito ao auxílio por incapacidade temporária, incapacidade permanente e pensão por morte para os dependentes", ressalta Barbosa.
Otimização no tempo de entrega e no custo para a empresa
O professor e consultor de varejo Christian Avesque explica que os marketplaces utilizam um grande modelo multimodal que permite trabalhar da melhor forma com diversas cargas, “de grande volumetria e alto custo unitário” até as de pequena volumetria e preço unitário mediano ou pequeno, como utilidades para o lar.
“Para cada cluster (segmento), essas empresas criaram formas diferentes de entrega, focando basicamente em três critérios: volumetria, valor da carga e a percepção do consumidor sobre a entrega desse item”, detalha Avesque.
Ele reforça que os motoristas parceiros são peça fundamental nesse processo. “É o que chamamos de “last mile consumer ou última milha”. “Os parceiros são treinados fortemente nesse last mile, com os pilares de rapidez, integridade da compra e segurança da informação, que é a preocupação de que a caixa venha lacrada e nota fiscal dobrada para não expor os dados do comprador”.
Fonte: Diário do Nordeste