A boa reforma tributária do consumo e seus desafios

Necessária e urgente, a simplificação das regras para apuração dos tributos sobre o consumo finalmente colocará o Brasil no lugar onde deve estar, com as mais importantes economias do mundo. A adoção do tributo sobre valor agregado, mesmo que na sua versão dual, com uma taxa destinada à União (a Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS) e outra aos estados e municípios (o Imposto sobre Bens e Serviços, IBS), com alíquotas e regras uniformes em todo o território nacional, mudará todo o caótico panorama tributário atual.  

Já passou, há muito, da hora da substituição dos destrambelhados e confusos IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISSQN. A adoção dos dois tributos sobre valor agregado simplificará a apuração ao longo da cadeia de consumo, desde a obtenção da matéria-prima até a venda no varejo, o que trará maior produtividade e eficiência às empresas. O período de transição, a prevalecer a previsão atual, começará em 2026, com momentos de vigência dos sistemas atual e o novo, e irá até 2033, quando as regras estarão em pleno vigor. Isso demonstra que não se trata de uma reforma de um governo ou partido. 

A bola agora está com o Senado Federal, que se debruçará sobre o texto. É esperado que alguns pontos sejam mais discutidos e, possivelmente, alterados. Serão momentos de grandes debates sobre um tema tão sensível e complexo, e a participação da sociedade é fundamental. 

Muitas críticas se fazem às chamadas exceções trazidas pelo texto aprovado pela Câmara dos Deputados, com tratamento dito privilegiado para alguns setores, a manutenção de incentivos ou mesmo a criação de nova contribuição sobre bens primários e semielaborados a cargo dos estados. Naquilo que for politicamente possível e necessário, é certo que o Parlamento saberá buscar o equilíbrio que permita e garanta a manutenção do espírito da reforma, que é a simplificação do sistema tributário de consumo. 

Alguns pontos importantes merecem ser destacados, dentre eles a previsão de tratamento específico para atividades com bens imóveis. De fato, a construção e as operações com imóveis não são necessariamente operações normais de consumo. Em vários aspectos, a construção é investimento e a ideia é a tributação do consumo. Não faz sentido tributar da mesma maneira operações de bens de duração muito longa (vida útil de dezenas de anos), com circulação restrita ou que nem circulam, como são as obras de infraestrutura, de saneamento, de energia.  

Ainda importante lembrar que, no caso de transferência da propriedade de imóveis residenciais e comerciais, já existe tributo específico que não foi objeto de discussão na reforma tributária, qual seja, o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal.

Sobre a transmissão do imóvel haverá, portanto, a incidência da CBS, do IBS e do ITBI, algo que não ocorrerá com nenhum outro produto ou setor econômico da cadeia de consumo de bens e serviços. Por isso a necessidade do tratamento específico, o que, importante lembrar, não é exclusividade do Brasil. Países como Portugal, Espanha e Canadá, dentre outros, também tratam as operações com bens imóveis de forma adequada, com regras específicas. 

Por outro lado, as regras gerais de tributação, inclusive as que garantirão a dita não cumulatividade plena, bem como as alíquotas aplicáveis, serão objeto de leis complementares e resoluções que ainda serão debatidas.  

Este será o momento mais importante da reforma e precisará ser feito em um amplo debate com a sociedade, pois daí veremos se, de fato, haverá a tão sonhada simplificação. Espera-se também, nesta ocasião, a correta calibragem na definição das alíquotas, sob pena de trazer um aumento de carga que poderá até inviabilizar determinados setores.  

Para o próprio setor da construção e do mercado imobiliário será neste momento que se saberá qual o tratamento que as operações com imóveis receberão. Também se espera que a tributação sobre os serviços decorrentes do investimento na construção tenha tratamento adequado, inclusive os serviços públicos de interesse social, como os de saneamento, cuja universalização é tão desafiadora e necessária quanto a própria reforma tributária. 

Após o debate da regulamentação saberemos se de fato a reforma tributária será realmente boa para a sociedade e para a economia, ou se será apenas um instrumento de aumento de tributos. A esperada atualização da tributação sobre a renda também deve ser debatida nos próximos meses e atrairá a atenção da sociedade, talvez mais até do que a reforma do consumo, uma vez que seus efeitos já serão sentidos em 2024.  

O que importa, no desafio de manter a boa reforma tributária, é garantir a mais que necessária simplificação, modernização e racionalização do sistema tributário. O Brasil precisa disso e não pode esperar. 


Fonte: Jota Tributos

 

Data: 21/08/2023