Você Colunista - Coluna do dia 01/04/2024



A progressividade do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD e a Emenda Constitucional n.º 132/2023.


1. Da progressividade dos impostos

Antes de adentrarmos propriamente no tema objeto do presente estudo, é importante esclarecer o que significa a progressividade dos impostos.

Diz-se que um imposto é progressivo quando a sua alíquota aumenta na medida em que se eleva a sua base de incidência ou base de cálculo. Por exemplo, o fato gerador do imposto de renda, em uma linguagem bem simples, é o acréscimo patrimonial. Na medida em que esse acréscimo aumenta, a alíquota do imposto de renda aplicada sobre ele deve ser maior, fazendo com que cidadãos com maior capacidade contributiva paguem mais impostos do que aqueles com menor capacidade. Em tese, a progressividade é uma sistemática de tributação que visa diminuir a desigualdade social, fazendo com que cidadãos, com maiores condições financeiras, paguem mais impostos do que aqueles com menor capacidade econômica.

A progressividade para ser efetiva deve levar em consideração alguns aspectos, sob pena de não se atingir o seu objetivo, que é eliminar as desigualdades sociais então existentes. Dentre tais aspectos, deve-se evitar que as bases de incidência, sobre as quais as alíquotas são aplicadas, sejam muito próximas umas das outras. Também é necessário estabelecer que as bases de incidência e as alíquotas sejam aplicadas sobre valores que não venham a comprometer a subsistência do cidadão ou onerar excessivamente o seu patrimônio.

2. Do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, de competência dos Estados da Federação (CF/88, art. 155, I), tem como fato gerador (CTN, arts. 35/42), em síntese, a transmissão da propriedade de bem e direitos, seja em razão do falecimento do seu titular, seja em razão da sua cessão gratuita (doação). Já a sua alíquota máxima, foi fixada em 8% pelo Senado Federal (Resolução 09/1992), nos termos do § 1.º, IV, do art. 155, da CF/88.

3. Da progressividade do ITCDM

Antes da Emenda Constitucional n.º 132/2023, havia forte discussão nos Tribunais Superiores se o ITCMD poderia ter alíquotas progressivas. Tal discussão restou superada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal em julgamento de recurso extraordinário com abrangência dos efeitos da decisão em todo o País (repercussão geral da questão constitucional) nos seguintes termos:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO”.
(RE 562045, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-233 DIVULG 26-11-2013 PUBLIC 27-11-2013 EMENT VOL-02712-01 PP-00001 RTJ VOL-00228-01 PP-00484)

Assim, diante do cenário jurisprudencial favorável, foi introduzido na Emenda Constitucional n.º 132/2023 um dispositivo, estabelecendo expressamente que o ITCMD “será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação” (§ 1.º, VI, do art. 155, da CF/88).

Fixar a progressividade do ITCMD não é tarefa simples, sendo necessário o estudo do direito comparado (de outros Países) para auxiliar o legislador nessa tarefa. Isso porque, costuma-se dizer que a alíquota máxima de 8% do ITCMD no Brasil é muito baixa se comparada com a de outros Países, tais como, Estados Unidos (alíquota varia entre 18% e 40%), Reino Unido (alíquota é de 40%) e França (alíquota varia entre 5% e 45%), quando, na verdade, tal afirmação é equivocada. Embora tais Países estrangeiros tenham alíquotas mais elevadas, neles o ITCMD somente é exigido sobre a transmissão de patrimônio de valores relevantes, ao passo que, no Brasil, o ITCMD é exigido sobre a transmissão de patrimônio de valores relativamente baixos. Por exemplo, no Reino Unido, há a isenção do ITCMD nas operações até 325.000,00 libras (em reais, algo em torno de R$ 2.061.475,00). Já no Brasil, a isenção do ITCMD, por exemplo, no Estado do Ceará, é de apenas R$ 40.246,64 (art. 8.º, II, da Lei n.º 15.812/2015). Como se vê, é flagrante a desproporcionalidade da aplicação do princípio da progressividade na cobrança do ITCMD existente no exemplo acima citado. No Brasil, a progressividade do ITCMD não atinge o fim que a justifica, pois aquele que tem pequeno patrimônio acaba pagando mais imposto do que aquele que tem mais, levando em consideração a capacidade contributiva de tais contribuintes. Tal situação, na realidade, viola a própria ideia que inspira a adoção da sistemática da progressividade, contribuindo, decisivamente, para o aumento da desigualdade social em nosso País.

E o pior, caros leitores, ainda está por vir, pois hoje tramita no Senado Federal o projeto de resolução n.º 57, de 2019, visando alterar a alíquota máxima do ITCMD de 8% para 16%. Isso, sem dúvida, elevará ainda mais o custo desse imposto para a maior parte da população sem grande capacidade contributiva.

É preciso, portanto, ficar atento e, dependendo da situação, pensar em um planejamento sucessório para que possíveis herdeiros não tenham que arcar com essa conta.


Foto do Autor

Artigo produzido por Ítalo Farias Pontes


Sócio-Diretor da Maciel & Farias Sociedade de Advogados e Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários

Colunas recentes